Dr Roberto Lúcio Vieira de Souza (Associação Médico-Espírita do Brasil, 2011)
Vivemos em um mundo cheio de crises nas mais
diversas áreas. Situação que não poderia ser diferente, tendo em vista que
vivenciamos um tempo de transição, no qual quaisquer tipos de valores deverão
ser aferidos, na chamada separação entre o trigo e o joio, possibilitando o
desaparecimento daquilo que não mais interessa para a evolução planetária.
Assim, só restarão os princípios e os elementos imprescindíveis para viabilizar
o mundo de regeneração, tão propalado no movimento espírita.
É fundamental, portanto, desvincular-nos
daquilo que já não é mais útil, ligando-nos aos padrões mais nobres nos mais
variados campos de ação do espírito, na construção do homem novo, na busca da
angelitude.
A dependência é uma dessas vivências que
amarram o espírito às situações de inferioridade, não nos permitindo alçar voos
maiores, mantendo-nos ligados a este mundo de provas e expiações.
A dependência química, vinculada às mais
diversas substâncias usadas pelo homem, capazes de alterar nosso comportamento
de forma patológica, reflete a fragilidade do espírito que, se sentindo de
menor valia, busca, no exterior, aquilo que acredita não ter em si mesmo.
Infelizmente, tais atitudes são vivências de
prazeres imediatos e fugazes, com resultados devastadores, porque a real e
importante necessidade do ser é o Amor divino, que o espírito só é capaz de
viver e sentir na sua real ligação com o Criador. E levam muitos indivíduos ao
próprio extermínio, numa forma direta ou indireta de suicídio.
As drogas ilícitas e as armas têm proporcionado
altos lucros comerciais no âmbito mundial, pois o tráfico movimenta valores que
transcendem os recursos disponibilizados pelas maiores nações para governarem
seus territórios.
A sociedade em geral tem responsabilizado o
Estado, em especial os setores administrativo e judiciário e a área da saúde,
pela resolução de tais problemas. Esquece-se de que essas instituições são
fruto dela mesma e que todo e qualquer problema começa na célula social, seja
ela o próprio indivíduo ou o seu agrupamento mais primário – a família.
Ela exige que os dois primeiros setores
eliminem o tráfico e o terceiro solucione todas as consequências físicas,
emocionais e afetivas advindas da dependência química.
É importante frisar que, geralmente, quando se
fala em dependência química, as pessoas imediatamente a associam com as
chamadas drogas ilícitas.
No entanto, esse tipo de dependência envolve,
também, o álcool, o tabaco e os medicamentos psicotrópicos, em especial, os
barbitúricos, ansiolíticos, determinados xaropes e as anfetaminas – medicações
usadas para inibir o apetite e para tratar a hiperatividade.
Na realidade, as drogas que causam os problemas
mais graves de saúde pública mundialmente não são as ilícitas. Temos no álcool
e no fumo os grandes vilões dessa situação, visto que a dependência do cigarro
é uma das mais difíceis de ser abandonada e é causadora de doenças crônicas,
irreversíveis e fatais – inclusive, para os que não usam, mas convivem
proximamente com os viciados, os fumantes passivos.
Todo esse processo de dependência é fruto de
uma crise moral.
Primeiro, do ponto de vista do tráfico,
vive-se, hoje, uma postura de hipocrisia. Voltam-se os olhos para aqueles que
diretamente atuam na distribuição das drogas, fingindo-se não saber que os
verdadeiros senhores desses cartéis fazem parte de uma porção privilegiada
socialmente, muitas vezes, ocupando cargos políticos e públicos, de onde
simulam combater o comércio ilegal, ou ainda vivem nababescamente das propinas
para não impedir o tráfico.
Na década de 1970, trabalho publicado por uma
instituição não governamental denunciava que 45% dos lucros auferidos com o
tráfico de drogas, no mundo, eram direcionados para subornar governos,
profissionais do Judiciário e a polícia.
No caso das drogas chamadas lícitas, em
especial o fumo e o álcool, os tributos pagos pelos fabricantes e pelos que as
comercializam, ultrapassam em dois terços o valor final do produto ao
consumidor e são importante fonte de renda para os governos.
Ambos os valores andam na casa dos bilhões de
dólares, em todo o mundo, ultrapassando o Produto Interno Bruto (PIB) da
maioria dos países. É querer acreditar muito que essa casta de pessoas que
vivem desse tipo de comércio abrirá mão, por si mesma, dos imensos ganhos que a
sustenta. Se a sociedade não se organizar e atuar nos pontos reais dessa
situação, vai se continuar na mesma condição, até que haja uma intervenção do
mundo superior, certamente de consequências mais profundas.
Do ponto de vista da patologia, a visão social
é ainda paliativa e, geralmente, os indivíduos só se lembram dos verdadeiros e
reais cuidados quando a própria pessoa ou algum ente querido já se encontra em
situação de dependência, fase na qual os resultados dos tratamentos são
bastante pobres.
Nesse sentido, costuma-se pensar que o
afastamento do dependente do objeto ao qual está viciado é o suficiente para
curar a dependência. O que se vê, infelizmente, é o contrário: o primeiro
contato, em especial com as drogas lícitas, é feito em casa e direcionado pelos
genitores, que mantêm, apesar do surgimento da patologia no lar, essas
substâncias no ambiente familiar.
Muito embora os estudiosos sérios do tema
saibam que a problemática não é o objeto, mas a condição psicológica do
dependente, a abordagem de forma geral está vinculada à substância ou situação
viciante, negligenciando-se, na maioria das vezes, o aspecto individual e as
condições e posturas psicológicas e éticas do viciado.
Dentro dessa abordagem, desconhece-se ou se
esquece de que a condição viciosa é íntima e antecede ao vício. Na verdade,
muitos estudos já caminham para o campo da conclusão da existência de fatores
genéticos, os quais, se sabe, pelos estudos da Doutrina Espírita, são frutos
das ações pretéritas da criatura em vidas passadas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) traz, no
conceito de saúde, as dimensões física, psíquica e social. Acrescentamos a elas
a dimensão espiritual, lembrando que, na perspectiva espírita, temos a Essência
Espiritual, ou o espírito propriamente dito, e o seu corpo espiritual,
denominado, por Allan Kardec, de perispírito, que serve de molde para o corpo
físico.
A viciação é uma doença espiritual, como
descrito anteriormente, e é fruto da insegurança do ser. Um posicionamento
anômalo da criatura em sua caminhada, durante a qual o desejo de transcendência
sai do lugar verdadeiro, que é a sua realidade íntima no encontro com o seu
Criador, e se encaminha para objetos ou situações externas, as quais se
caracterizam pela possibilidade de um prazer fugaz e imediato, mas sem
condições de levá-lo ao crescimento necessário. Prazer este incapaz de
alimentar o espírito de forma adequada, pois nosso verdadeiro alimento é o Amor
Divino. Só no encontro com Deus, por meio da vivência integral das Suas Leis,
alcançamos o prazer maior, o êxtase dos místicos, que nos promove até a
conquista da Felicidade.
A dependência química é uma condição
patológica, caracterizada por uma necessidade incoercível da pessoa de utilizar
a substância pela qual se viciou, com aumento progressivo da quantidade para
obter o mesmo efeito que sentia anteriormente (tolerância), com a perda
paulatina da capacidade laborativa e relacional, devido à necessidade de viver
em função do uso da droga, com um comprometimento orgânico que pode chegar ao
óbito.
Assim, a dependência química leva a um
comprometimento do ser em suas mais diferentes dimensões. Tem como origem esse
sentimento de insegurança íntima, a partir do afastamento da criatura das Leis
Divinas, levando a alterações nas diversas estruturas comandadas por sua
essência espiritual. Entretanto, o abuso dessas substâncias, que adoece a
dimensão física de forma particular, conforme a droga, agride e compromete o
espírito em suas emoções, em suas relações interpessoais e em seus componentes
energéticos, pertencentes ao corpo espiritual.
As ações danosas dessas substâncias lesam os
órgãos físicos, reduzem a capacidade de funcionamento do organismo, tiram a sua
vitalidade, dirigindo-se para patologias graves ou óbito. Esse ato é entendido
pelas leis maiores como uma forma de suicídio, que leva o indivíduo a assumir
uma responsabilidade de reorganização e reparação dolorosa, por um tempo que só
a consciência pessoal é capaz de determinar.
Pela perda da capacidade de controle e a
necessidade constante do uso, o dependente passa a viver focado na aquisição da
droga. Por causa disso, deixa os demais interesses e abandona progressivamente
os laços familiares e sociais. Se trabalha, o faz para adquirir o objeto do
vício; se já não consegue trabalhar, age de forma complicada para consegui-lo,
chegando a roubar e matar para não ficar sem a droga. Ocorre um empobrecimento
afetivo e intelectivo, uma queda social, vivendo, muitas vezes, no campo da
marginalidade. Ele perde o sentido da dignidade humana.
A dependência química não se limita a esses
aspectos, segundo esclarecem os espíritos que orientam o conhecimento
espiritual. Tais substâncias não atuam apenas nas estruturas orgânicas, com as
repercussões acima citadas. Afirmam eles que essas drogas têm uma parte energética,
etérea, que atua de forma patológica nos corpos espirituais.
Por um lado, ocorre uma repercussão nos órgãos
do corpo espiritual, de acordo com as estruturas físicas comprometidas pelo
vício. Essas lesões demarcam energeticamente o corpo espiritual e produzem, na
vida espiritual, os sofrimentos relatados pelos espíritos viciados e que se
manifestam nas reuniões de intercâmbio mediúnico; e numa reencarnação
posterior, determinam as predisposições do espírito a certas doenças e a
repetição da atitude viciosa.
De outra forma, o abuso dessas substâncias pode
destruir as barreiras energéticas que mantêm as lembranças de vivências
pretéritas desligadas da memória do corpo físico ou que impedem a percepção do
mundo espiritual, colocando a criatura numa condição de patologia mental, em
que surgem alucinações e delírios, conforme a visão da psicopatologia,
constituindo-se nas psicoses causadas por essas substâncias.
Esse processo é uma emissão de pensamentos e
emoções adoecidas, que são, na verdade, ondas de pensamentos conturbadas, as
quais atraem outras criaturas, encarnadas ou desencarnadas, na mesma sintonia,
produzindo os processos obsessivos.
A situação obsessiva pode ocorrer por
afinidade, quando os espíritos que se vinculam o fazem por ter interesses semelhantes;
ou por vingança, quando o dependente tem uma história anterior de agressão
àquelas entidades que se juntam a ele no sofrimento, acreditando fazerem
justiça, em ressarcimento pelo passado criminoso.
Diante de tudo isso, fica clara a necessidade
do tratamento integral do ser no que se refere à dependência química, de modo a
reduzir os danos nos mais diversos níveis de manifestação do espírito.
A partir dessa abordagem mais profunda da
viciação, fica óbvio o motivo que inspirou os criadores dos Alcoólicos Anônimos
a enfatizarem que os primeiros passos para vencer a dependência são: a
constatação efetiva da pequenez da criatura diante da grandiosidade da vida e
do seu Criador (humildade) e a necessidade do reconhecimento de um Ser Superior
(Deus), fonte única da força imprescindível para a transformação.
Sem se prender às terapêuticas utilizadas pelas
diversas especialidades que atuam no campo da dependência química, cujo
conhecimento é tão divulgado pela mídia, enfatizamos a terapêutica espírita,
que tem a sua base maior na reforma íntima, através da evangelhoterapia e do
autoconhecimento. Nesse campo, a Doutrina Espírita ainda oferece as terapias
energéticas e de fonte mediúnica como instrumento da redução dos danos causados
pela dependência, agindo naquelas estruturas ainda desconhecidas pela ciência
oficial.
Concluindo, afirmamos que só o Amor é
verdadeiramente o remédio que nos leva à condição de saúde real ou felicidade e
Ele – o Amor – só é vivido em sua plenitude na relação com o próximo e com
Deus.